O trabalhador, durante boa parte da industrialização nacional, era lamentavelmente, desprezado em seus direitos, mormente a proteção acidentária, sendo necessário desde os primórdios – quando tais direitos eram inexistentes – a fixação de condutas mínimas e determinadas condições a serem observadas na relação entre empregadores e empregados no que tange ao acidente do trabalho.
O primeiro marco legal sobre a temática acidente do trabalho se deu com o advento do Decreto-Legislativo n.º 3.742/19, no qual as doenças ocupacionais eram equiparadas a acidentes do trabalho.
De 1919 até os dias de hoje, muita coisa mudou. E, naquela época, de forma severa e realista, bem dizia Lacordaire que “nas relações desiguais, a liberdade escraviza e a lei liberta”.
Ao longo desses anos, passamos da teoria do contrato, típica de um direito privado e não social, para a teoria do risco social, surgida em 1967, após termos caminhando pela teoria do risco profissional, em 1934.
Com uma visão um pouco mais voltada ao socialismo, a teoria do risco social trouxe ao sistema acidentário o caráter previdenciário, deixando a cobertura dos acidentados de ser um problema somente do empregador para se tornar uma questão de todo o grupo protegido.
Hoje, como já dito, passamos por uma grande evolução, de uma tímida legislação de 1919 ao advento do Decreto n.º 24.637/34 que ampliou o rol de doenças ocupacionais e as incluiu em todas as legislações posteriores até a Lei n.º 8.213/91, oportunidade em que foi consagrada a ação regressiva contra o empregador que tenha causado o acidente, assunto esse que será o foco do próximo artigo.
Essa última lei com o advento da Lei nº 11.430/06 passou a admitir o nexo epidemiológico previdenciário – NTEP, reconhecendo novas patologias como oriundas da atividade profissional do segurado.
Nessa evolução de transformar o acidente numa proteção previdenciária, para não dizer de arrecadação, não podemos deixar de mencionar a respeito do FAP – fator acidentário previdenciário, em resumo, um multiplicador variável capaz de aumentar ou reduzir o SAT – seguro acidente do trabalho, que nada mais é do querecolhimento de tributo com base em alíquotas fixadas em razão do grau de risco da atividade preponderante do empregador, de 1% para risco leve, de 2% para risco médio, e de 3% de risco grave.
O SAT é um pouco mais antigo do que as últimas atualidades, foi instituído na época de Getúlio Vargas, assumindo maior relevância jurídica a partir da Lei nº 5.316/1967.
No início da industrialização a ausência de leis escravizava o trabalhador, hoje o excesso de leis, continua a escravizar, todavia, agora é o empregador que sofre com as leis, pois o NTEP, o FAP e o SAT, siglas simples, mas perigosas e desvirtuadas do sistema de custeio justo.
A atual metodologia do FAP produz uma contagem que na maioria das vezes não é correta, principalmente na frequência de acidentes, quando das comunicações de acidente de trabalho – CAT que não são revertidos em benefício previdenciário, uma vez que para se conceder um auxílio-doença acidentário exige mais de 15 dias de afastamento, e atualmente qualquer emissão de CAT influencia o FAP.
Inexiste acidente do trabalho sem que o trabalhador fique necessariamente incapacitado, seja de forma temporária ou permanente, ou até o óbito, e para se obter nexo causal, capazmente de influenciar o FAP e consequentemente o SAT, deve inexoravelmente ser concedido o benefício previdenciário.
Ademais, computar ao empregador na quantificação de acidentes as prestações previdenciárias oriundas de sinistros ocorridos no trajeto do trabalhador da casa para o trabalho e vice-versa é no mínimo uma foram de desnaturar o sistema, pois não há nenhuma responsabilidade do empregador nestes sinistros.
Se Lacordaire estivesse vivendo neste tempo, talvez o mesmo tivesse a intelecção que a lei também pode escravizar.
Todos esses fatores estão avassalando a teoria da proteção social – que deveria agir de forma preventiva – para valorizar um sistema em que a proteção acidentária é travestida por um incentivo unicamente financeiro e aplicado de forma injusta.
Hallan de Souza Rocha é advogado, ex-presidente do Instituto Goiano de Direito Previdenciário.
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