O Direito Previdenciário tem sido invariavelmente utilizado como fonte para decisões judiciais que buscam abrigar o neoprocessualismo – este consiste na tendência pós-positivista que enfatiza o viés da força normativa da Constituição Federal – tendência pós-moderna da ciência jurídica de fortalecer o Estado-juiz não como um agente ativo, mas na forma de um cooperador, dentro de um modelo social global de democracia participativa.
Ideias essas que se apresentam no seio social como uma parte de um novo conceito, o qual tem tido sustentação para afastar regras legais rigorosas e de pouca producência, em prol da novel concepção de cidadania processual.
Observa-se que questões atinentes aos benefícios previdenciários ditam uma nova hermenêutica, em igualdade no campo do direito material como processual, e essa evolução segue a transformar uma nova mudança, isto é, o fortalecimento dos precedentes no Direito Previdenciário, porque não se pode mais conviver com decisões diferentes para casos iguais.
E justamente por ser tão importante a prestação previdenciária para a subsistência de seu beneficiário que quando se julga tal matéria resta pormenor questões meramente formais e assim se deve chamar no feito como fonte de julgamento a Constituição – que corriqueiramente tem sido desprezada – valorizando o que jamais poderia ter sido desvalorizado, a própria Constituição Federal.
O Direito Previdenciário que é um direito social – e sabe-se que os direitos sociais são oriundos de movimentos reivindicatórios – não mais é que um direito prestacional que engloba a exigência do cidadão para com o Estado de melhores condições de vida, destarte, ao se julgar matéria previdenciária não se está solucionando um conflito de natureza privada, mas uma questão que afeta a sociedade de modo geral.
Com essas simples explicações que nos reportam a uma construção de valores do Direito Previdenciário, é chegado o momento de enfrentar o tema em sua origem: equacionar as relações entre direito e o processo, entre processo e a Constituição e onde entra o Direito Previdenciário nesse relacionamento.
Didaticamente o melhor percurso a seguir para dinamizar o questionamento acima, são os exemplos pragmáticos, vejamos.
Quanto a aposentadoria especial,no tocante a consideração da legislação vigente ao tempo da prestação do serviço para o enquadramento de agentes nocivos e atividades insalubres, ainda adotar como exemplificativo o rol dos agentes nocivos e sua formação jurisprudencial a partir de casos concretos, a possibilidade de realização de perícia técnica na análise de atividades similares para comprovar o tempo de serviço prestado em condições especiais e o reconhecimento da exposição do segurado a agentes nocivos em sentença trabalhista, são ações que afastam o dogma e aplicam o conceito de cidadania processual que está lado a lado com os preceitos da Constituição Federal, principalmente um dos objetivos da República que é a promoção do bem de todos (artigo 3º, IV da Constituição Federal).
Outro elemento que pode ser igualmente inserido está no fato de designação de audiência de instrução e julgamento quando há confronto entre os atestados médicos e exames dos autos com o laudo médico pericial para que o juiz dentro de sua sensibilidade de julgador possa auferir a incapacidade laboral.
Idem podemos observar algumas decisões dos tribunais que refutam a alta programada do benefício de auxílio por incapacidade temporária – que é a prefixação da alta dos segurados que recebem tal benefício, ou seja, estipulam o dia que estarão recuperados. Tal conduta da administração pública é ofensiva ao artigo 1º, III da Constituição Federal (princípio da dignidade da pessoa humana) e ainda ao artigo 201, I da Lei Maior, eis que o segurado somente pode ser habilitado ao desempenho de suas atividades laborais após avaliação médico específica em que reste comprovada a aptidão ao trabalho, prefixar data futura como se fosse dado ao homem prever o futuro é desrespeitar a dignidade da pessoa humana.
Ademais, em matéria previdenciária o que está em jogo é o mínimo de condições de existência e a fome e a dor não podem esperar, mais do que uma regra processual se deve atender a subsistência da vida.
O processo tem seguido como fonte do direito com o fim de realizar justiça social, afastando regras de conceito e interpretação gramatical do campo material e processual, para fazer valer os princípios constitucionais, sendo essa a influência, numa dimensão de protagonista, do Direito Previdenciário.
Justamente por tutelar direito social inerente a subsistência do cidadão é que o Direito Previdenciário se diferencia das categorias jurídicas relacionadas ao direito privado, e os julgados que o envolvem vem construindo um processo civil justo e mais que a realização do direito material se está promovendo a quebra da rigidez formal do processo para concretizar uma justiça material.
Essa tem sido uma excelente influência do Direito Previdenciário, tomará que os ventos do conceito de cidadania processual continuem a soprar de modo retumbante nos tribunais.
A sociedade brasileira, infelizmente, possui crença que os versos da música de Renato Russo ‘Ninguém respeita a Constituição. Mas todos acreditam no futuro da nação. Que país é esse?’, representam a realidade, todavia, situações fáticas que envolvem o Direito Previdenciário estão a dizer ao Poder Judiciário que o trecho dessa música nada mais pode ser que uma boa música, de reflexão e de admoestação e não de realidade.
Fazer valer o respeito a Constituição Federal contemporaneamente tem sido uma das missões da nação e do Direito Previdenciário.
Hallan de Souza Rocha é advogado, ex-presidente do Instituto Goiano de Direito Previdenciário.
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